frases ambíguas
um quinto
dos portugueses
com
ensino superior
não trabalha
em portugal
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sacana adj., s.m. [pop.] maroto; patife; biltre (De origem obscura)
Books of Revelation
Empresa pretende digitalizar milhões de obras
A AAP, que inclui empresas como a Penguin e a McGraw-Hill, pretende que o tribunal proíba o Google de colocar online as obras protegidas pelos direitos de autor.
O Google interrompeu o processo de digitalização de livros protegidos pelas leis do "copyright" em Agosto, devido às crescentes críticas das editoras, mas pretende retomar o seu projecto no próximo mês.
A presidente da AAP, Patricia Schroeder, apontou que as pretensões do Google vão muito além da simples criação de um catálogo de obras com os seus dados bibliográficos, sugerindo à empresa que para esse efeito "digitalize a primeira página dos livros com todos os dados bibliográficos".
O Google já respondeu a estas acusações através de um artigo publicado anteontem no “The Wall Street Journal”, assinado por Eric Schmidt, um dos responsáveis da empresa. Numa resposta aos críticos, Schmidt salienta que o projecto não viola as leis do "copyright", já que o conteúdo integral das obras protegidas pelos direitos de autor não será revelado. Segundo o responsável, a empresa defende apenas o chamado “uso justo” de pequenos excertos que permitam simplificar a investigação e a identificação de diversas temáticas dentro de um vasto universo bibliográfico.
Os Sacerdotes do Livro
Por HISTÓRIAS DE LIVREIROS-ALFARRABISTAS
Domingo, 11 de Abril de 2004
%Paulo Moura
História verdadeira, contada por Tarcísio Trindade à Pública: O homem abre a mala e espalha os livros no chão. É um dos muitos vendedores de alfarrábios e outras velharias que costumam encher a Feira do Rastro de Madrid, Espanha. Estamos num domingo dos anos 60. Tarcísio Trindade veio a Espanha trazer a mãe ao médico. Aproveita para dar uma volta pelo que é considerado a maior feira da ladra em todo o mundo. É um hábito próprio de uma família de antiquários como a sua. O homem espalha vários volumes, uns recentes outros muito velhos, alguns álbuns de banda desenhada. Tarcísio baixa-se, atraído por um calhamaço cuja encadernação lhe parece bastante antiga. Folheia-o. É uma "miscelânea", com quatro obras encadernadas juntas, todas da mesma época. Século XV, quase pode garantir. "Quanto é?" Trás o incunábulo por 500 pesetas.
Já no hotel, folheia a sua preciosidade com a mãe. Não há dúvidas: um dos quatro livros está escrito em português. Intitula-se "Tratado de Confissom". E, também parece não restarem dúvidas, foi impresso em 1489, em Chaves. Ora é sabido que o livro impresso mais antigo escrito em português é o "Vita Christi", de 1495. Ou melhor: era.
Neste momento, Tarcísio só tem uma ideia na cabeça: vender o incunábulo. Quarenta anos mais tarde, a estratégia será a mesma. Na sua livraria, na Rua do Alecrim, em Lisboa, as obras não param muito tempo. É costume os colegas livreiros lá irem esquadrinhar os últimos achados do Tarcício, e levarem alguns para revenda.
Um desses colegas, Tavares de Carvalho, aprendeu com ele a arte dos negócios bibliófilos. Mas adoptou um estilo diferente: gosta de manter os livros em seu poder durante anos. Segundo ele, porque tem cultura suficiente para saber o valor de uma obra e não tem pressa de a vender. Espera até que apareça alguém a oferecer o preço justo. Se não aparecer, não vende. O que também é bom. É prestigiante para o livreiro o saber-se que possui certas obras, tal como é saber-se que protagonizou certas histórias. Peças de valor imenso, como uma primeira edição de "Os Lusíadas" ou da "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto, acabam por emprestar o seu valor ao próprio livreiro, enquanto estiverem na sua estante. E usado esse valor ele fará melhores negócios, sem alienar os preciosos volumes.
Se isto é verdade, ser proprietário do "Tratado de Confissom" equivaleria a um autêntico título nobiliárquico. Não obstante, Tavares de Carvalho teria recusado dar os 150 contos que Tarcísio lhe pediu por ele, em 1964.
História falsa, contada por Tarcísio Trindade à Pública: Tavares de Carvalho era aluno do catedrático da Universidade de Lisboa José Pina Martins, no início de 1965. Um dia, Pina Martins refere na aula de Literatura que o mais antigo incunábulo português se chama "Vita Christi" e data de 1495... O jovem Carvalho põe o dedo no ar. "Não é verdade. Um amigo meu de Alcobaça tem em casa um livro mais antigo."
De início, o professor não acreditou. Mas começou a andar angustiado com a ideia, com a mera possibilidade de existir um incunábulo anterior a 1495, e não descansou enquanto não convenceu o aluno a marcar um encontro com Tarcício. Esse encontro, ocorrido na livraria O Mundo do Livro, de João Pires, é a parte verdadeira da história e foi através dele que Tavares de Carvalho, que nunca foi aluno de Pina Martins, entrou para a história verdadeira do "Tratado de Confissom".
Ao fazê-lo, traiu, porém, "Vita Christi", que mais tarde o procuraria, para se vingar.
Um dia, encontrou num leilão na Alemanha dois dos quatro volumes do segundo mais antigo incunábulo português. Comprou-os. Os livros estavam em mau estado mas tinham marcas curiosas, como carimbos de D. João VI e do Brasil, que permitiram traçar a sua história. Terão pertencido à biblioteca de D. Manuel II, que casaria com a princesa alemã Augusta Victoria de Hohenzollern, de quem não teve filhos. Após a morte de D. Manuel em Londres, para onde fora expulso pelos republicanos, Augusta casou com um médico sueco, de quem também não teve descendência, pelo que a "Vita Christi", com a morte de Augusta Victoria em 1965 (precisamente quando o "Tratado de Confissom" estava a ser encontrado na feira da ladra espanhola) acabaria por ser herdado por uns obscuros sobrinhos alemães, que terão precisado de dinheiro e o venderam à peça.
Tavares de Carvalho soube que os dois volumes em falta estavam na posse de um duque inglês primo direito dos ditos sobrinhos. Telefonou-lhe, ele não quis vender. Mesmo assim, enriquecidos com toda esta história, os seus dois volumes foram vendidos a um coleccionador por alguns milhares de contos, um valor no entanto incomparavelmente inferior ao que atingiriam, se o "Tratado de Confissom" nunca tivesse sido encontrado.
Oriundo de uma família de bibliófilos (o avô foi notário de D. Manuel II e amigo pessoal de um dos mais famosos livreiros do mundo, Maurice Ettinghausen), Tavares de Carvalho estudou Direito e Histórico-Filosóficas, com o intuito de seguir a carreira diplomática. Mas foi preciso ter sido chamado para o serviço militar e para a guerra do Ultramar para compreender que a diplomacia não era mais do que uma "tropa de salão". Decidiu dedicar-se apenas aos livros, depois de ter herdado a biblioteca do avô. Ainda jovem, partiu sozinho para a Europa. Durante cinco meses, viajou entre Paris e Londres, de comboio a vapor, correndo livrarias e alfarrabistas, comprando livros numa cidade, vendendo na outra.
A bibliofilia tem particularidades distintas nos dois países. Em França, por exemplo, não são apreciados livros que não sejam franceses. Já em Inglaterra, mercê da sua tradição imperial, há um grande interesse por obras estrangeiras. Era nessas diferenças que o jovem livreiro apostava para atribuir as suas mais-valias às peças que comprava.
Foi nessa altura que compreendeu que o preço de um livro depende apenas do valor que alguém está, por alguma razão, disposto a atribuir-lhe. E que a arte do livreiro consiste em conhecer e virar a seu favor esse flutuar das paixões. Foi esse talento que Tavares de Carvalho descobriu e exercitou entre Londres e Paris, em 1963. "Dava para pagar as viagens e os hotéis", recorda, hoje, sentado numa das poltronas de veludo azul da sala onde recebe os seus clientes "by apointment". É uma sala redonda, com várias portas e janelas, uma mesa ao centro e um grande lustre, forrada a estantes com livros antigos, encadernados a pele e dourados. Primeiras edições de "Os Lusíadas", portuguesa, espanhola, inglesa, primeiras edições de Eça, Camilo, uma colecção de incunábulos do século XV: "Tenho livros que ninguém sabe ainda que existem."
O telefone toca frequentemente, é preciso ir atender clientes de várias partes do mundo, interessados em livros exóticos, pergaminhos, raros, únicos, inexistentes. Cada coleccionador tem os seus gostos, as suas especialidades, as suas manias, as suas extravagâncias. E o livreiro tem de conhecer tudo isso, para que, quando lhe chegar às mãos algum promissor espécime, saber a quem deve telefonar.
Alguém, por exemplo, a quem falte um único exemplar da primeira edição do "Arquivo Histórico Portuguez", a obra rara de Anselmo Brancamp Freire e D. José da Silva Pessanha, e que será capaz de matar para o obter. Um coleccionador fanático por viagens daria tudo por ter uma primeira edição de "Peregrinação". Se for um coleccionador e tiver dinheiro para a compra - o que parece não ser o caso do repórter Peter Arnett, que veio a Lisboa, a esta sala, de propósito para adquirir a primeira edição do famoso livro de viagens português. Concordou com o preço de 25 mil dólares, deixou um cheque de adiantamento de mil dólares e... nunca mais disse nada.
História falsa contada por Tarcísio Trindade a Tavares de Carvalho: os antiquários Campos Trindade são informados de que uma família numa aldeia do Norte quer vender uma mobília de quarto antiga. Tarcísio desloca-se à casa respectiva e compra várias peças de mobiliário, entre as quais uma cómoda que, viria a descobrir mais tarde, trazia por engano um livro encadernado numa das gavetas. Depois de examinada a "miscelânea", Tarcísio descobre com assombro que ela contém um incunábulo em português, intitulado "Tratado de Confissom" e datado de 1489, mais antigo que o "Vita Christi".
Num livreiro, o estilo é tudo. Tavares de Carvalho cultiva as relações pessoais com os clientes, a quem frequentemente chama "amigos". Conhece-lhes os pontos fortes e fracos, logo, o que lhes pode vender, quando e por quanto. Dispensa a Internet e os computadores, trabalha numa espécie de círculo de cavalheiros, restrito embora espalhado pelo mundo, regulado pela confiança e o afecto.
Herculano Ferreira, 45 anos, livreiro do Porto, tem outro estilo. Gosta de livros, mas também de computadores.
Introduziu num sistema informático fichas dos cerca de 50 mil livros que tem para venda. E também fichas de todos os clientes, em que incluiu, além dos dados habituais, informações sobre os seus gostos e especialidades. E como não havia no mercado nenhum programa específico, ele próprio construiu um. Herculano, cuja formação é em Música e nunca soube nada de computadores, pôs-se a estudar informática, para elaborar o "software" de que precisava.
Dir-se-ia que é a nova geração de alfarrabistas em acção, não fosse o facto de o pai, Manuel Ferreira, 72 anos, ser ainda mais entusiástico dos computadores.
Manuel Ferreira é um dos mais antigos e prestigiados livreiros alfarrabistas portugueses. Tinha, desde há 45 anos, uma livraria, que este ano fechou as portas. Deixou de fazer sentido estar ali o dia todo à espera de clientes.
Dantes, o estabelecimento da Rua Formosa era mais do que uma livraria. Era uma tertúlia. Intelectuais, artistas, estudantes ou amantes dos livros tinham o hábito de a frequentar. O ritual dos livros passava por ali. Hoje não. Os livros são cada vez mais uma paixão solitária.
Manuel e Herculano editam regularmente catálogos, que enviam aos clientes. Incluem umas centenas de obras, de escolha não completamente aleatória. Se conta do catálogo, por exemplo, um livro de Botânica, tentam incluir mais um ou dois títulos sobre o mesmo tema, para tentar o cliente que se poderá ter interessado pelo primeiro. Os coleccionadores tendem a desenvolver interesses temáticos e, quando não, o próprio livreiro incentiva-os a fazerem-no. É a sua maneira de influenciar os coleccionadores. De os aconselhar, de os convencer do valor de certos livros em relação a outros. Do ponto de vista do investimento, mas também do suposto valor intrínseco dos livros. Dessa forma, o livreiro vai-se tornando numa espécie de tutor, não apenas dos coleccionadores, que neles confiam, mas dos próprios livros. "Os catálogos deixam uma marca para o futuro", diz Manuel Ferreira, que é capaz de passar meses fechado com os seus livros, a estudá-los, para os converter numa ficha completa, fiel e rigorosa. Manuel Ferreira apaixonou-se pelos livros na infância. Os pais tinham uma loja de mobiliário usado onde ele trabalhava, e em cuja montra colocava à venda os livros que já lera, com um único objectivo: comprar outros livros. Mas fazia-o a um tal ritmo que começou a ganhar algum dinheiro, pelo que hoje pode dizer que iniciou o seu negócio aos 12 anos. Pode pelo menos dizer que sabia, desde essa altura, que ia ser essa a sua profissão. Mais tarde, alugou um vão de escada para guardar e vender os seus livros. Aos 18 anos, o pai comprou uma biblioteca que tinha de revender e ele ofereceu-se para organizar o leilão. Dez anos depois, abriu a livraria na Rua Formosa. Hoje, continua a organizar leilões e a prestar aos livros a mesma reverência da infância, quando os via como um bem quase inalcançável. Para ele, que apenas fez a 4ª classe mas passou a vida a ler, os livros são objectos de culto. Obrigam a uma pureza de intenções e de métodos. A uma ética. É-lhes inerente um conjunto de rituais e de obrigações. Manuel Ferreira nunca se atreveria, por exemplo, a organizar um leilão com obras seleccionadas de várias bibliotecas. Porque uma biblioteca é uma unidade, ligada ao nome de quem a reuniu ao longo de uma vida ou de várias gerações. É um património que não há o direito de corromper. Por maioria de razão, um livro é uma unidade que não se pode profanar. Certos exemplares, em certos momentos, podem valer menos do que a soma das gravuras que contêm. Isso não pode ser razão para lhes arrancar as páginas, vendendo-as separadamente. Alguns livreiros sem escrúpulos fazem-no. Mas, a longo prazo, acabam por se arrepender. Porque os livros que ultrajam voltam para se vingar, como sempre. O mercado de livros antigos tem características únicas, provavelmente mágicas. Como se a mão invisível do Destino viesse repor uma ordem sagrada.
Herculano Ferreira mostra um exemplar do "Arte de Cavalaria", de Manuel Carlos de Andrade, pseudónimo do marquês de Marialva, de 1790. Vale uns 6000 euros se tiver todas as gravuras. Se faltar alguma, ninguém dará por ele metade daquele valor. Há alguns anos, havia no mercado bastantes exemplares completos da obra. Hoje, por certos livreiros lhes terem arrancado as gravuras, são raros. Mas precisamente por isso, o seu valor aumentou, ultrapassando infinitamente o das gravuras que lhe foram rasgadas. Quem o fez bem pode agora lamentar não possuir um exemplar completo.
É como se os livros fossem divindades e os livreiros os seus sacerdotes. Compete-lhes zelar pelos seus ícones, fazer-lhes a liturgia. Os leilões, os catálogos, a conservação, o restauro. Fazer-lhes o culto, o que significa atribuir-lhes valor. Uma das formas é assegurar que estejam em boas mãos.
Uma vez, Herculano comprou um livro por um preço irrisório, um interessante conjunto de pergaminhos. Tratava-se dos documentos de João Martins Ferreira, um autarca do Porto do século XVI.
Herculano e Manuel Ferreira logo perceberam que tinham nas mãos uma peça de valor incalculável para a história da cidade, e trataram de garantir que ela fosse para a Biblioteca Municipal ou para o Arquivo Histórico. Queriam vendê-la a uma dessas instituições, mas por que preço? Pai e filho tiveram ideias diferentes. Manuel achou que podia pedir dez mil contos; Herculano acreditava poder ir aos 20 mil. Venderam ao Arquivo Histórico por 12 mil contos. Um coleccionador privado quis cobrir aquele valor, mas Manuel Ferreira recusou. "Preferia vender a uma universidade americana, que pelo menos é certo que estudaria os documentos e publicaria os resultados, a que todos teríamos acesso, na Internet."
Se tivessem vendido ao particular, a peça perderia valor. No Arquivo Histórico, ganhará, mesmo que nunca mais seja vendida. "Somos nós que damos valor a um livro", explica Herculano. "Se o vendermos barato, estamos a retirar-lhe realmente valor. Se o vendermos mais caro, estamos a atribuir-lhe um valor que não tinha, e que não vai perder. É como o caso daquele incunábulo que estava numa aldeia a segurar... uma vela, acho eu. Enquanto não foi descoberto o seu valor real, ele não valia realmente nada, a não ser para segurar uma vela."
História falsa contada por Tarcísio Trindade a Manuel Ferreira: o antiquário é chamado para avaliar uma mobília numa casa de aldeia. Em cima de uma mesa, usado para apoiar a candeia de azeite que iluminava a casa, está um velho alfarrábio encadernado. O antiquário abre o volume e vê que ele inclui um incunábulo escrito em português e datado de 1489. Intitula-se "Tratado de Confissom".
Há um elo misterioso entre os livros. Remetem uns para os outros, dependem uns dos outros. O valor de um muda em função do aparecimento ou desaparecimento de outro, tanto no que respeita ao conteúdo, como ao preço que pode atingir num leilão.
Há uma espécie de cadeia energética entre os livros, de círculo espírita. Funciona enquanto alguém acreditar nele. O vulgo chama-lhe cultura. Também entre os livreiros há um elo esotérico. Todos contam e participam das mesmas histórias, verdadeiras ou falsas. Essas histórias confundem-se com as histórias dos livros, nos quais ficam impregnadas, alterando-lhes o valor.
Por isso, as histórias são, antes de mais, um capital. Por vezes, dir-se-ia que são elas, com toda a sua imponderabilidde e loucura, a verdadeira mercadoria deste estranho ramo de negócio.
Os livros propriamente ditos não passam por vezes de meros pretextos, dóceis veículos de paixões, manias e quimeras.
História verdadeira contada por Tarcísio Trindade à Pública: as mãos de Pina Martins tremem, ao pegar finalmente no "Tratado de Confissom", em Maio de 1965. O professor quase desmaia, ao observar a filigrana do papel, a data de impressão, 8 de Agosto de 1489... Pede três horas para estudar o incunábulo. Em troca, escreveria um artigo sobre ele no "Diário de Notícias". Tarcísio concorda, pois só a publicidade à mercadoria lhe permitiria vendê-la por bom preço. Mais tarde, daria 15 contos ao investigador, que comentaria: "Foi o artigo mais bem pago de toda a minha carreira."
Ao contrário do que se possa pensar, os livros valiosos não são muitos. Acontece frequentemente o mesmo livro passar várias vezes pelas mãos do mesmo livreiro. Uma das razões por que num alfarrabista não gosta de vender um livro para o estrangeiro é para que possa voltar a ganhar dinheiro com ele, mais tarde.
Tavares de Carvalho conta que chegou uma vez a jogar autêntico pingue-pongue com um amigo livreiro. Vendeu-lhe e comprou-lhe cinco vezes o mesmo "Arte de Cavalaria", de Manuel Carlos de Andrade. Um exemplar sem nenhuma gravura rasgada. Cada vez mais caro, por mero capricho de ambos, ou à medida que o livro se ia valorizando, ou que eles o iam valorizando...
"Há livros que vão e vêm", costumava dizer Aquilino Ribeiro, citado pelo livreiro João Pires, de quem o escritor foi amigo. João Pires, proprietário da livraria O Mundo do Livro, é, aos 84 anos, provavelmente o mais antigo livreiro português em actividade. Como tal, está no centro de muitas das histórias da bibliofilia nacional. Nos últimos anos, "traiu" os livros para se dedicar quase exclusivamente às gravuras. Mas mantém intacto o sentido de serviço à causa. De muitos dos livros raros e importantes que lhe passaram pelas mãos, fez edições fac-símile, oferecendo os originais a instituições como a Biblioteca Nacional ou a Gulbenkian.
Tornando essas obras acessíveis a muita gente, diminuiu, a curto prazo, o valor de cada exemplar original. A longo prazo, porém, aumentou-o, porque, ao ser conhecida e estudada, a obra torna-se mais relevante, logo mais valiosa.
História verdadeira contada por João Pires à Pública: um conhecido banqueiro, Miguel Quina, entra no Mundo do Livro. Corre o ano de 1965. O banqueiro quer saber as novidades, mas refere-se a uma em especial. Leu um artigo sobre um certo incunábulo... Está interessado em comprá-lo. Pires arranja um encontro com Tarcísio, que pede 400 contos pelo livro. O banqueiro concorda, e desaparece. Envia uma secretária com o dinheiro, no dia seguinte. Em contado, 360 notas de conto para Tarcísio, 40 para Pires, como combinado. A senhora deixa uma morada e parte com o "Tratado de Confissom".
História verdadeira contada por Tarcísio Trindade: o director da Biblioteca Nacional, acompanhado por dois funcionários, entra na loja. Diz que sabe da existência do precioso incunábulo e que vem, por ordem do ministro da Educação, arrolá-lo. "Mas eu já não tenho o livro", diz Tarcísio, mostrando o recibo de venda a João Pires.
História verdadeira contada por João Pires: Dois agentes da Polícia Judiciária esperam o livreiro, na sua casa de Oeiras. Querem saber se é ele o comprador do "Tratado de Confissom". Pires dá a morada da senhora que levou o livro, que os agentes descobrem ser falsa. Na manhã seguinte, o alfarrabista é levado num carro celular e interrogado durante todo o dia. Não revela o nome do banqueiro, que lhe pedira confidencialidade, mas consegue telefonar-lhe. Quina vai pessoalmente à polícia e consegue libertar Pires, mediante a promessa de o nome do banqueiro nunca ser revelado. À saída, o jornalista Raul Rego recolhe dados para o longo artigo que escreveria criticando o regime pela sua política de desprezo pelo património bibliográfico nacional.
Quina manterá o volume em seu poder até aos anos 80, quando o vendeu à Biblioteca Nacional por vários milhares de contos.
As instituições oficiais não têm uma política de aquisições coerente, pensa ainda hoje João Pires. Dá o exemplo de uma obra de 1601, de Simão Machado, que representa a introdução do teatro heróico em Portugal. Conseguiu um exemplar e tentou vendê-lo à Biblioteca Nacional por cem contos. Só existe outro exemplar conhecido na Biblioteca do Vaticano. Acharam caro.
Nuno Gonçalves, um livreiro e organizador de leilões de 28 anos, explica que o Estado desconfia dos negócios dos livreiros particulares. Só compra livros em leilões, usando muitas vezes o direito de opção. No entanto, a nova geração de livreiros caracteriza-se, segundo Nuno Gonçalves, que estudou História e Matemática, por ter corrigido os critérios de avaliação das obras que negoceia. Mais culta e dada ao estudo do que a geração anterior, está mais atenta ao valor literário e científico das obras e à sua importância futura. "Muitas vezes os livreiros fazem-se críticos literários sem o serem", confessa.
Os livros de Herberto Helder serão muito valorizados no futuro, devido ao alcance do seu conteúdo, opina. Já os de Saramago tenderão a desvalorizar-se. Mostra uma primeira edição da "História de Portugal" de Alexandre Herculano. "Esta é uma obra que, pela sua importância, tem um valor dez vezes superior ao preço por que é vendida no mercado."
Sem as oportunidades da geração mais antiga de livreiros, que lançou os seus negócios com as bibliotecas compradas ao desbarato após o 25 de Abril de 1974, a nova geração teve de descobrir novas formas de criar mais-valias. Introduzindo novos critérios de interesse nas obras existentes, criando interesses temáticos nos coleccionadores (de quem se assumem como "educadores"), ou incentivando de outras formas o culto do livro como objecto.
Paulo Ferreira, um inovador livreiro do Porto, criou uma empresa, a In-Libris, que não só negoceia em livros antigos como, além de outras mil actividades, edita livros novos com critérios bibliófilos. Mistura técnicas hipermodernas com artes há muito esquecidas e acrescenta-lhes uma boa história.
História falsa contada por Tarcísio a Paulo: o antiquário entra numa casa de aldeia, onde descobre um velho volume encadernado a calçar uma pipa... era o "Tratado de Confissom".
Paulo Ferreira fez um livro sobre a tragédia ecológica do navio "Prestige", cuja capa é de ferro enferrujado com água do mar da Galiza. Fez outro livro sobre uma azinheira que existe em Belgais, a estância para artistas de Maria João Pires. O livro inclui uma folha e um pedaço de casca da azinheira, um CD com os "sons que a azinheira ouve" - ruído do vento nas folhas, canto de pássaros, os exercícios de piano que alguém toca ao longe, dentro da casa - e poemas de Ramos Rosa sobre aquela azinheira. O poeta, que vive num lar em Lisboa, não escrevia nada há anos. Paulo Ferreira telefonou-llhe e disse: "Apaixonei-me por uma azinheira." Em menos de uma semana, recebeu o conjunto de poemas inéditos. Nasceu um livro. Intitula-se "Cada Árvore É Um Ser para Ser em Nós". Tem, como todos os livros, uma história e o valor que lhe quisermos dar.
OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICAO que vale [e esta vírgula não está aqui a fazer nada], é que a minha incompetência só é suplantada pela dos outros...
«Este ano morreram oito civis em consequência de disparos da PSP e GNR, quando em 2004 não se tinha verificado qualquer caso.»
Preparando a minha tese de doutoramento, verifiquei que alguns títulos essenciais se encontravam disponíveis na Biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa. Dirigi-me ao edifício principal da mesma (...) e descobri que a maioria dos títulos necessários se encontravam disponíveis no Departamento de Cultura Americana e no Departamento de Filosofia. Aos mesmos me dirigi, às duas horas da tarde. No que diz respeito ao Departamento de Filosofia, nem um único funcionário se encontrava disponível, muito embora nos encontrássemos bem dentro do horário de funcionamento. Livros, nem vê-los. Esperei vinte minutos, adivinhando a tolerância com que os funcionários entenderiam o seu horário de almoço. Mas nada. Resolvi então tentar a minha sorte no Departamento de Cultura Americana. Informaram-me que, lamentavelmente, nesse dia, o departamento se encontrava encerrado no período da tarde, não sendo permitido o acesso aos livros. Aqui, ao menos, uma fresta permitiu-me entrevê-los, hermeticamente fechados em estantes envidraçadas. No dia seguinte, ainda com esperança, dirigi-me à Faculdade de Letras à hora de abertura dos departamentos em causa, com vista a aproveitar o (muito limitado) período em que os mesmos permitem o acesso às respectivas obras. Mas mais uma vez não tive sorte. No caso do Departamento de Cultura Americana, o respectivo horário de funcionamento iniciava-se às 13h30. Às 14h10, ninguém tinha chegado e o encerramento estava previsto para as 16h30. Uma professora da casa pediu-me para aguardar com paciência. O desânimo venceu e vim-me embora. Afinal, pouco mais me restava do que dirigir-me ao primeiro computador que encontrasse e encomendar os livros pela Internet, pagando o respectivo preço mais custos de envio. Custos que acrescem aos dos impostos com que todos financiámos a sua disponibilidade.
Senhoras e Senhores,
Foram compostas quando Bach era ainda muito jovem (porque todos nós fomos jovens um dia) [?]: a primeira, a Fantasia em Dó Menor, por volta dos dezassete anos, presume-se; e a segunda quando tinha, digamos, vinte e dois.
A Fantasia é uma peça muito curta e – embora demonstre já o génio do seu autor – não apresenta uma estrutura clara, incorrendo nesta e naquela ideia, sem se deter em nenhuma [?].
Qualquer uma destas peças, tal como as que ouviram na primeira parte, se destina a ser tocada num instrumento de tecla, como o órgão [aponta para o coro alto], o clavicórdio, ou neste caso um grande cravo, consoante o instrumento que estivesse disponível na ocasião – numa igreja, em capelas como esta, em casa das pessoas... [?]