«Tem tanta aparência de negro como eu. Mas deve ter sangue de negro dentro dele. Fazia de propósito para ser apanhado, como um homem se propõe a casar. Andou sumido durante uma semana. Se não tem deitado fogo à casa, é provável que durante um mês inteiro não descobrissem o crime. E não teriam suspeitado dele, se não fosse um tipo chamado Brown, que o negro empregava para vender whisky, enquanto pretendia fazer-se passar por branco, e a quem queria imputar as responsabilidades do whisky e o crime; mas Brown contou a verdade.
«E, ontem, apareceu em Mottstown, à luz do dia, num sábado, quando a cidade está cheia de povo; foi ao barbeiro branco, como um verdadeiro branco; e, porque tem aspecto de homem branco, ninguém desconfiou dele. Nem mesmo quando o engraxador reparou que trazia uns sapatões grandes demais para os seus pés. Barbeou-se, cortou o cabelo, pagou-lhes, e foi direitinho a uma loja onde comprou uma camisa, uma gravata e um chapéu de palha, com parte do dinheiro roubado à mulher que matara. E pôs-se a andar pelas ruas, em pleno dia, para cima e para baixo, como se fosse dono da cidade, sem que as pessoas que passavam dezenas de vezes ao pé dele desconfiassem de coisa alguma; até que Halliday o viu; dirigiu-se a ele, agarrou-o e disse: «o seu nome não é Christmas?» e o negro disse que sim. Nunca o negou. Não fez nada. Não procedeu nem como negro nem como branco. E foi isso que ia endoidecendo toda a gente. Um assassino a passear na cidade, bem vestido, no ar de desafio a todos para se roçarem por ele, quando devia andar fugido, oculto no mato, procurando esconder-se, sujo e enlameado. Era como se ele próprio não soubesse que era um assassino, e ainda menos um negro.»
William Faulkner, Luz de Agosto
Lisboa, Livros do Brasil, s.d.
Colecção Dois Mundos, 58
p. 239
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