terça-feira, abril 19, 2005

da fogueira preemptiva

Galileu e a teoria da suposição

Galileu teve mais sorte do que o pobre dominicano Giordano Bruno, queimado vivo na fogueira de Campo de' Fiori (1600) devido às suas teorias acerca do universo infinito e, por isso, considerado «frade apóstata» e «herético impenitente». Alguém defende que a mitigada punição infligida a Galileu constituiu uma correcção de rota precisamente em relação à radicalidade da punição de Bruno. De qualquer modo, Galileu era um cientista de renome mundial e gozava de poderosas e influentes amizades, desde a do grão-duque Cosimo II até à do cardeal Maffeo Barberini, futuro Papa Urbano VIII. Porém, nem estas poderosíssimas amizades lhe puderam evitar a prisão e a pública retra[c]tação das posições defendidas no Diálogo.

Galileu foi, com Copérnico, Kepler e Newton, um dos fundadores da ciência moderna. Não só como físico, matemático ou astrónomo, mas também como criador de uma metodologia científica nova que alia o uso da experiência ao uso da razão, sob o controlo de um novo princípio da não-contradição que, como diz Galvano della Volpe, «não é nem o princípio técnico-verbal abstracto da lógica formal nem o princípio ontológico-lógico da metafísica (de Parménides aos escolásticos e a Leibniz)», mas critério decisivo que verifica a funcionalidade, ou não, da razão (della Volpe, 1973: 491-97). Todavia, não obstante a incontestável e incontestada paternidade galileiana da ciência moderna, a Igreja católica só com o Papa João Paulo II iniciou a revisão do processo a Galileu, movido e conduzido pelo tribunal do Santo Ofício. Disse, com efeito, João Paulo II: «Galileo Galilei, digo, cuja obra científica, imprudentemente hostilizada no princípio, é agora por todos reconhecida como etapa essencial na metodologia da investigação e, em geral, no caminho para o conhecimento do mundo da natureza» (Setembro de 1989).

Estranha, muito estranha, parece ser, pois, a conferência de Parma (de Março de 1990) do prefeito da Congregação para a doutrina da fé, cardeal Joseph Ratzinger, onde o influente dignitário da Santa Sé procura, apoiando-se em textos de Ernst Bloch e de Feyerabend, minimizar a imensa conquista científica representada pela afirmação da teoria heliocêntrica, chegando mesmo a pô-la em pé de igualdade com a teoria geocêntrica, sob o pressuposto de que tanto esta quanto aquela pressupunham um conceito de «espaço em si tranquilo» e absoluto, que a teoria da relatividade, afinal, veio pôr em causa. Ratzinger chega a afirmar que é de admitir que exista uma «via directíssima» que vai de Galileu à bomba atómica. Com Feyerabend, Ratzinger chega a admitir que, afinal, «a Igreja se manteve, no tempo de Galileu, bem mais fiel à razão do que o próprio Galileu, tendo tomado também em consideração as consequências éticas e sociais da doutrina de Galileu»; que «o seu processo contra Galileu era racional e justo, enquanto a sua actual revisão se pode justificar só com motivos de oportunidade política» (Ratzinger, 1990). Mas Ratzinger não se fica por aqui. Sugerindo um relativismo universal da própria ciência, cita duas clamorosas afirmações do filósofo Ernst Bloch:

1) «com a abolição de um espaço vazio e tranquilo não acontece nenhum movimento em direcção a ele, mas somente um movimento relativo dos corpos, de uns em relação aos outros, e a sua estabilidade depende da escolha dos corpos tomados como pontos fixos de referência: assim, para além da complexidade dos cálculos que daí derivariam, não parece, de facto, improponível aceitar, tal como se fazia no passado, que a Terra seja estável e que seja o Sol a mover-se»;

2) «a partir do momento em que a relatividade do movimento está fora de dúvida, um sistema de referência humano e cristão antigo não tem certamente nenhum direito de se envolver com os cálculos astronómicos e com a sua simplificação heliocêntrica, mas tem, todavia, pleno direito metodológico, por força das implicações de importância humana, de manter esta Terra fixa no centro e de ordenar o mundo à volta de quanto nela acontece e aconteceu».

A revisão do processo a Galileu, decidida, em coerência com o Concílio Vaticano II, por João Paulo II, parece interromper-se com esta intervenção do responsável pela Congregação para a doutrina da fé. Intervenção que, aos olhos do senso comum, não pode deixar de ser clamorosa ao defender:

a) igual legitimidade pós-einsteiniana das teorias geocêntrica e heliocêntrica;

b) que a posição da Inquisição na condenação de Galileu foi mais racional do que o próprio método científico-experimental que iria conduzir ao nascimento da ciência moderna;

c) que é legítima a recusa de resultados científicos válidos (da verdade científica) quando eles contradisserem a centralidade histórico-social de normas, crenças ou valores legados pela tradição;

d) que o neo-relativismo científico moderno deve ser contrabalançado por uma espécie de humanismo geocêntrico;

e) que, em suma, Galileu é directamente responsável pela construção e (por que não?) pelo lançamento da bomba atómica!

[...]


João de Almeida Santos, Os Intelectuais e o Poder
Lisboa, Fenda, 1999 (pp. 54-56)

INCRÉUS (4):

20/4/05 09:47 / Anonymous Anónimo

Zoto: porque é que as cassandras não têm direito a alterar settings do blog? Muda lá isso. Senão como é que mudamos o template sempre que nos apetece? A outra cassandra agora não tem Net, mas há-de ter. Por isso, utilizo um plural majestático (?).

 
20/4/05 10:36 / Blogger zoto

eu tenho email, podes tratar de burocratices por aí... mas respondendo à tua (vossa) pergunta:

ainda não acabei de formatar este template e já querem deitar tudo ao lixo?!

estás preparada para copiar coisas importantes de um sítio para o outro e refazer código em xhtml e css?

os links?! as imagens?! caixinhas?!

ia escrever uma destas semanas um comentário comparativo entre o blogger e o blogdrive para sublinhar as diferenças, mas...

 
21/4/05 09:05 / Anonymous Anónimo

...mas assim não tem piada. Vou fazer birrinha...

 
21/4/05 09:05 / Anonymous Anónimo

...mas assim não tem piada. Vou fazer birrinha...

 

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