terça-feira, fevereiro 15, 2005

Retrato do Artista Enquanto Jovem

[...] «A última e suprema tortura entre todas as torturas daquele local horrendo é a eternidade do Inferno. Eternidade! Que palavra medonha e terrível! Eternidade! Que mente poderá entendê-la? E não vos esqueçais de que é uma eternidade de sofrimento. Mesmo que as penas do Inferno não fossem tão terríveis como são, tornar-se-iam infinitas, porque se destinam a durar para sempre. Mas, embora sendo eternas, são, ao mesmo tempo, como sabeis, intoleravelmente intensas, insuportavelmente extensas. Suportar nem que fosse a picada de um insecto por toda a eternidade já seria um tormento terrível. O que será, então, suportar as inúmeras torturas do Céu, para sempre? Para sempre! Por toda a eternidade! Não é por um ano, nem por um período indeterminado, é para sempre. Tentai imaginar o horrível significado disto. Já vistes frequentemente a areia na praia. Como são finos os seus minúsculos grãos! E quantos desses minúsculos grãos são precisos para formar a pequena mão-cheia de areia em que uma criança agarra para brincar. Agora, imaginem uma montanha dessa areia, com um milhão de milhas de altura, elevando-se da terra até aos mais altos céus, e com um milhão de milhas de largura, estendendo-se até ao espaço mais remoto, e com um milhão de milhas de espessura; e imaginem essa enorme massa de incontáveis partículas de areia multiplicadas pelo número de folhas que há na floresta, de gotas de água do poderoso oceano, de penas das aves, de escamas dos peixes, de pêlos dos animais, de átomos na imensa extensão do ar: e imaginai que, ao fim de cada milhão de anos, um passarinho pousava na montanha e levava no bico um minúsculo grão dessa areia. Quantos milhões e milhões de séculos seriam necessários para que o passarinho levasse consigo um palmo quadrado dessa montanha, quantos eões e eões de séculos até a levar toda? Todavia, no fim dessa imensa extensão de tempo, nem sequer um instante da eternidade teria passado. No final de todos esses biliões e triliões de anos, a eternidade mal teria começado. E se essa montanha se erguesse novamente, depois de ter sido removida e o passarinho voltasse a removê-la novamente, grão a grão, e se ela se elevasse e fosse removida tantas vezes quantas as estrelas que há no céu, os átomos que há no ar, as gotas de água que há no oceano, as folhas que há nas árvores, as penas que há nas aves, as escamas dos peixes, os pêlos dos animais, no final de todas essas inumeráveis elevações e remoções dessa montanha incomensuravelmente grande, não se poderia afirmar que tivesse passado um único instante da eternidade; mesmo nessa altura, no final desse período, depois dessa imensidão de tempo, que, só de pensarmos nela, nos põe a cabeça a andar à roda, a eternidade mal teria começado. [...]


James Joyce, Retrato do Artista Quando Jovem
Lisboa, Publicações Europa-América, 1993, pp. 125-6.

(uma outra vez ainda, em inglês na universidade de adelaide)